A última tontura / The last giddiness [Pt-Eng]

Hoje de manhã, quando regressei a minha casa, vindo a pé do ginásio, como habitualmente, abri a minha caixa do correio...

E tinha lá um sobrescrito. Não era uma factura para pagar, nem sequer correspondência do banco, ou mesmo um carta com selo... Era um envelope branco, algo pesado, que tinha escrito no seu exterior como remetente o primeiro nome da filha de um vizinho, e como destinatário o meu primeiro nome...

Não calculava o que poderia conter. Mas sabia, que recentemente, há menos de duas semanas, o meu vizinho, que já tem uma certa idade... julgo que 84 anos feitos recentemente, tinha caído nas escadas interiores do prédio. Não era a primeira vez que o senhor, depois dos tratamentos hospitalares, se sentia "mal" e com a quebra de tensão, caia... Já tinha acontecido em casa, durante a noite, há cerca de 1 mês, na rua. Não era novidade. O senhor A. é um daqueles velhotes com muita energia e que nós dizemos que é rijo. Nada o parecia abalar ou quebrar.

Mas desta vez foi diferente. Uma vizinha nossa deu conta da queda do Senhor A. nas escadas, pois ouvi-o gritar, e veio em seu auxílio. Após o colocar numa posição confortável, e verificar que não havia hemorragias visíveis, chamou os meios de socorro.

Os bombeiros chegaram e levaram o meu vizinho para o Hospital aqui perto. A notícia veio mais tarde. O senhor A. tinha fracturado o colo do fémur. Necessitaria de cirurgia, e iria ficar hospitalizado até ao dia da cirurgia, porque necessita de tratamentos médicos regulares num serviço especializado.

Passados 4 dias, o meu vizinho foi operado. Não consegui chamada para o seu telemóvel, mas a vizinha que avisou os meios de socorro ficou a saber em que hospital estava internado, e quem serviço tinha ficado. Ele já tem alguma idade, e por vezes já se atrapalha com o seu telemóvel. Apesar de ele ter já um smartphone, por vezes, quando me apanhava a entrar ou sair do meu apartamento, e durante as nossas conversas, pedia para lhe explicar algum procedimento que precisava de ajuda no seu telemóvel.

Fora isso, tinha as conversas habituais, de alguém que não compreendia a sociedade em que estamos, e que não lidava muito bem com as faltas de respeito... Havia mesmo alusões a outros tempos, em que Portugal ainda era governado por um ditador. Eu não acompanhava esses devaneios dele, como é obvio, e tentava mudar o assunto, para que ele não se enfadasse a falar do mesmo minutos infindáveis.

Morava sozinho há muitos anos. Desde que a mulher falecera perto de 1990, não tinha por perto mais ninguém. Sua família próxima, suas filhas, estavam emigradas para o Luxemburgo, deslocando-se a Portugal apenas uma vez no ano, isto quando não era o senhor A. a ir visita-los. Conhecera há muitos anos o país onde suas filhas estão, e não tinha problemas com a língua francesa.

Um homem solitário, e algo ressequido pelas agruras da vida. Longe de tudo... até de uma realidade que ele teimava passar ao de largo...

Hoje, como disse no início, o envelope de sua filha anunciava a sua partida de regresso a casa. As obrigações laborais assim o exigem. E despediu-se de mim, deixando a chave do correio da casa de seu pai. Nesse mesma carta que estava no envelope, disse que teve que tomar uma decisão difícil, mas a mais lógica. O senhor A seria colocado num lar. Teria apoio do qual precisaria, e conseguiria fazer a fisioterapia de recuperação.

Estava também nesse mesmo sobrescrito três facturas de vários serviços, que a filha pensa que ainda não tinham sido pagas pelo seu pai. Deixou cem euros, para eu poder as pagar. Despediu-se de uma forma calorosa e atenciosa.

Senti que muito provavelmente já não terei o meu vizinho de regresso. Que o Natal de este ano já não o convidarei para beber um licor, o qual ele recusa sempre, e devolve com a oferta de garrafas de vinho do Porto. Que eu acabo por não as aceitar, pois também é raro receber visitas.

Vivo sozinho. No paralelismo que é difícil não estabelecer, acabo por ser como que inundado de um sentimento de solidão...

Desculpem o desabafo de hoje...